![]() |
| Fonte: Ramssés de Souza Silva |
Fragmento de documento de batizado de um filho de casal de escravos em Independência:
"Aos trinta e um dias do mês de Agosto do ano de mil e setecentos e cinco, no acampamento (ou povoado) daquela Paróquia da Serra do Salitre (localidade), batizei solenemente com os Santos Óleos o Reverendo Padre Pascoal Coni ... (Linha muito confusa, menciona talvez a criança e os pais: filho de Damião e sua mulher Lourença...) ... e de sua Mulher Lourença, pelos Curadores de Izabel desta Freguesia (Paróquia), foram Padrinhos Manoel Peres Pinho e Dona Luzia Alves, e todos moradores nesta Paróquia. Deste ato fiz um registo que mandei extrair e assinei. O Vigário Victoriano Jacome d'Almeida."
A partir do documento histórico presente na imagem,
abre-se uma janela profunda para a memória ancestral do município de
Independência. As linhas antigas, escritas com tinta já desbotada, carregam
mais do que simples registros religiosos ou administrativos, revelam vidas,
trajetórias e presenças que, durante muito tempo, foram silenciadas pela
narrativa oficial.
Esse fragmento é mais do que uma prova — é um marco
que reafirma a presença de escravos no município de Independência, contrariando
qualquer tentativa de negar a existência de escravizados no município. A
própria escrita, mencionando nomes, relações familiares e condições de vida,
indica que a população negra esteve inserida na formação social, econômica e
cultural da região.
Locais como São José, Santa Luzia, Santa Cruz e
tantas outras comunidades rurais de Independência, quando observados com
atenção, revelam traços muito fortes de antigas comunidades quilombolas. A organização
social, a permanência de sobrenomes, tradições culturais e a própria dinâmica
de povoamento sugerem uma ancestralidade resistente, construída por pessoas que
fugiram, enfrentaram e sobreviveram à escravidão. Embora sejam necessários
estudos arqueológicos, historiográficos e antropológicos mais profundos, o
pouco de documentação já acessível é suficiente para iluminar esse passado e
reforçar a verdade que sempre esteve ali, Independência foi, sim, um território
marcado pela presença negra e pela luta pela liberdade.
Reconhecer isso não é apenas um ato acadêmico — é um compromisso ético e político. A consciência negra nasce também desse entendimento, de valorizar, honrar e proteger a memória daqueles que foram fundamentais na construção da nossa identidade. Não há mais espaço para negacionismo, tampouco para narrativas que tentam apagar ou suavizar a violência da escravidão. Documentos como o da imagem são testemunhas incontestáveis de uma história que precisa ser contada com verdade, respeito e profundidade.
Que este registro inspire mais pesquisas, mais
preservação e, sobretudo, mais consciência sobre a importância da presença de
escravos na formação do município de Independência.
Prof. Ricardo Assis

Nenhum comentário:
Postar um comentário